{"id":6108,"date":"2021-11-12T18:24:04","date_gmt":"2021-11-12T21:24:04","guid":{"rendered":"https:\/\/archscape.com.br\/2024\/?p=6108"},"modified":"2021-11-12T19:42:26","modified_gmt":"2021-11-12T22:42:26","slug":"tudo-o-que-aprendi-sobre-arquitetura-com-o-high-line-em-ny","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/archscape.com.br\/2024\/tudo-o-que-aprendi-sobre-arquitetura-com-o-high-line-em-ny\/","title":{"rendered":"Tudo o que aprendi sobre arquitetura com o High Line em NY"},"content":{"rendered":"
Normalmente, quando h\u00e1 um lugar abandonado pela cidade o pensamento comum \u00e9 apenas desviar dali, como se houvesse um apagamento da \u00e1rea. At\u00e9 o dia em que o lugar \u00e9 comprado, e o que ainda resta ali \u00e9 derrubado e, em algum tempo, algo totalmente novo surge no lugar.<\/p>\n
At\u00e9 a\u00ed, nenhum problema. Mas, \u00e0s vezes, perde-se uma rica oportunidade de resignificar o lugar e criar um espa\u00e7o mais humano, que inspire o conv\u00edvio social e d\u00ea espa\u00e7o para iniciativas que tornem as cidades mais humanas.<\/p>\n
No in\u00edcio deste s\u00e9culo, um novo parque inaugurado em Nova York surpreendeu n\u00e3o s\u00f3 os especialistas em arquitetura e paisagismo no mundo todo, mas tamb\u00e9m todas as pessoas que para l\u00e1 viajam e vivenciam a cidade.<\/p>\n
Constru\u00edda em 1930, a ferrovia, que antes era o destino das mercadorias trazidas ao distrito industrial de Manhattan, entrou em decl\u00ednio. Com o encerramento das atividades na linha, ap\u00f3s a d\u00e9cada de 1980, cogitou-se a sua destrui\u00e7\u00e3o, mas os moradores da regi\u00e3o decidiram se unir para recuper\u00e1-la e transform\u00e1-la em algo muito mais valioso.<\/p>\n
O High Line \u00e9 peculiar: um parque linear de 2,4 km em Nova York inaugurado em 2009 sobre esta antiga estrutura ferrovi\u00e1ria elevada, e que muito tem a nos ensinar em abordagem de projeto de arquitetura paisag\u00edstica.<\/p>\n
Cortando tr\u00eas bairros da cidade, toda a \u00e1rea ao seu redor passa por um intensivo desenvolvimento imobili\u00e1rio. Durante o percurso a p\u00e9, que pode durar at\u00e9 duas horas, passamos por edif\u00edcios novos e antigos, alguns at\u00e9 mesmo com as janelas abertas para o parque.<\/p>\n
Neste artigo, vou compartilhar com voc\u00eas as minhas percep\u00e7\u00f5es sobre esse projeto que trouxe tantas mudan\u00e7as para a cidade.<\/p>\n
Em 1989 uma estrutura similar ao High Line, localizado a leste, junto ao rio East, havia sido demolida e havia toda uma press\u00e3o do mercado imobili\u00e1rio para que o High Line fosse o pr\u00f3ximo, j\u00e1 que era entendido que sua perman\u00eancia desvalorizava os terrenos.<\/p>\n
Foram nessas discuss\u00f5es p\u00fablicas sobre a interven\u00e7\u00e3o urbana no bairro de Chelsea que dois moradores, Joshua David e Robert Hammond, se encontraram e decidiram formar a associa\u00e7\u00e3o Amigos do High Line, inicialmente com a proposta de preserva\u00e7\u00e3o da estrutura, como preserva\u00e7\u00e3o da hist\u00f3ria do bairro.<\/p>\n
Contudo, o argumento da preserva\u00e7\u00e3o por ele mesmo era muito fraco para sustentar a ideia, eles ent\u00e3o encomendaram um estudo de viabilidade financeira junto a uma consultoria de desenvolvimento econ\u00f4mico e urbano para provar que o retorno com impostos gerados pela preserva\u00e7\u00e3o poderia ser muito maior do que com a demoli\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
A grande sacada para convencer a opini\u00e3o p\u00fablica, no entanto, foi uma campanha promovida pela associa\u00e7\u00e3o com grandes outdoors mostrando fotos do High Line, tiradas pelo fot\u00f3grafo Joel Sternfeld e posicionados estrategicamente sobre as ruas do bairro.<\/p>\n
Todas essas a\u00e7\u00f5es e a constante press\u00e3o nos \u00f3rg\u00e3os p\u00fablicos resultaram em investimento para, em primeiro lugar, elaborar um concurso p\u00fablico de ideias para a contrata\u00e7\u00e3o do futuro projeto.<\/p>\n
Mundo afora \u00e9 n\u00edtido o entendimento que as ferramentas oferecidas pela Arquitetura Paisag\u00edstica s\u00e3o a chave para a cria\u00e7\u00e3o e renova\u00e7\u00e3o de espa\u00e7os livres de qualidade, pois s\u00e3o objetos da profiss\u00e3o, o estudo e o estabelecimento de rela\u00e7\u00f5es adequadas e pertinentes entre as pessoas e seu entorno imediato.<\/p>\n
O projeto ganhador do concurso, de autoria do cons\u00f3rcio formado pelos escrit\u00f3rios James Corner Fields Operation e Diller Scofidio + Renfro, com suas elaboradas pranchas cheias de inspira\u00e7\u00e3o, despertou grande interesse no p\u00fablico e potencializou a arrecada\u00e7\u00e3o de fundos para a elabora\u00e7\u00e3o da obra.<\/p>\n
Segundo James Corner, um dos autores do projeto, \u201ccom o High Line, procuramos retratar situa\u00e7\u00f5es do cotidiano, chamando a aten\u00e7\u00e3o para os pr\u00e9dios abandonados, velhas escadas de inc\u00eandio, t\u00e1xis nas ruas, grama e flores nascendo no piso \u2013 coisas do cotidiano que s\u00e3o facilmente esquecidas.\u201d<\/p>\n
Na arquitetura paisag\u00edstica esse direcionamento do olhar das pessoas \u00e9 algo estudado e possui metodologia para ser estabelecido, seja pela dire\u00e7\u00e3o proposta dos caminhos, pela disposi\u00e7\u00e3o dos arbustos, posicionamento da ilumina\u00e7\u00e3o, etc.<\/p>\n
O High Line proporcionou lan\u00e7ar luzes para todos esses elementos urbanos de uma forma \u00fanica, despertando interesses e fomentando novas mobiliza\u00e7\u00f5es da sociedade em prol da melhoria do espa\u00e7o da cidade.<\/p>\n
Muitos foram os desafios t\u00e9cnicos e de regulamenta\u00e7\u00e3o a serem superados para a implementa\u00e7\u00e3o do parque. Um dos exemplos citados pelos autores foi que, por estar situada a 9 m do ch\u00e3o e passar por cima das ruas, a estrutura era classificada pelas autoridades como ponte, e que precisaria, pela lei local, possuir guarda-corpos de 2,4 m, o que criaria um volume desproporcional e que competiria com a estrutura hist\u00f3rica.<\/p>\n
Foi ent\u00e3o proposta uma complementa\u00e7\u00e3o do antigo gradil existente, na forma de uma barra paralela ao ch\u00e3o, na altura de 1m, que j\u00e1 garante uma prote\u00e7\u00e3o adequada, um singelo guarda-corpo, como se tem nas varandas dos pr\u00e9dios.<\/p>\n
Hoje, observando a estrutura, a hist\u00f3ria est\u00e1 preservada no desenho cl\u00e1ssico do antigo gradil e a barra superior, tamb\u00e9m pintada de preto, abriga ainda lumin\u00e1rias embutidas para a ilumina\u00e7\u00e3o e seguran\u00e7a do espa\u00e7o para uso noturno.<\/p>\n
Um dos argumentos contra a constru\u00e7\u00e3o do High Line foi a duplicidade de usos que poderia ocorrer com o Parque Linear ao longo do Rio Hudson.<\/p>\n
Seja pela largura incompat\u00edvel da estrutura hist\u00f3rica, seja pela diferente sensa\u00e7\u00e3o de estar a 9 m de altura do ch\u00e3o, o time de arquitetos desde o in\u00edcio chamou a aten\u00e7\u00e3o pelo sil\u00eancio que l\u00e1 se vivencia, isso logo nas primeiras visitas ao local.<\/p>\n
E junto a ele, uma sensa\u00e7\u00e3o de hiper-realidade, onde os m\u00ednimos detalhes s\u00e3o percebidos, seja uma rachadura no ch\u00e3o, uma flor desabrochada, um ninho de passarinho sob um trilho solto. Assim, um dos primeiros (e mais pol\u00eamicos) conceitos que propuseram foi de preservar essas caracter\u00edsticas, evitando pista de cooper, ciclovia e quaisquer usos esportivos, “keep it slow”, como diziam os autores.<\/p>\n
Ao contr\u00e1rio, foram propostas espregui\u00e7adeiras, bancos, lugares seguros para estar com crian\u00e7as e in\u00fameros espa\u00e7os para conviv\u00eancia relaxada e encontros, espa\u00e7os hoje tidos como indispens\u00e1veis e qu s\u00e3o as grandes vedetes do parque.<\/p>\n
A arquiteta Elisabeth Diller conta que quando foi convidada por James Corner para trabalharem juntos no High Line, ela considerou que somente o conhecimento de arquitetura n\u00e3o era suficiente para abordar suficientemente bem o problema de interven\u00e7\u00e3o em uma rel\u00edquia hist\u00f3rica para a implanta\u00e7\u00e3o de um parque suspenso.<\/p>\n
Foi um trabalho concebido e coordenado a v\u00e1rias m\u00e3os pelas duas empresas, onde o conhecimento espec\u00edfico de cada uma em sua \u00e1rea contribu\u00eda para solu\u00e7\u00f5es engenhosas dos problemas que surgiam. N\u00e3o raro em trabalhos de mesmo porte no Brasil, o arquiteto paisagista acaba tendo uma atua\u00e7\u00e3o muito discreta e complementar, originando lapsos de conhecimento que resultam em desenhos aqu\u00e9m do potencial.<\/p>\n
Quando h\u00e1 uma predomin\u00e2ncia de espa\u00e7o livre em detrimento a edif\u00edcios, \u00e9 imprescind\u00edvel o papel coordenador do paisagismo, guiando desde solu\u00e7\u00f5es conceituais de layout junto aos clientes, com tamb\u00e9m em quest\u00f5es t\u00e9cnicas de terraplanagem, drenagem e demais infraestruturas que devem atender \u00e0s necessidades dos espa\u00e7os livres.<\/p>\n
A forma segue a sensa\u00e7\u00e3o (n\u00e3o a fun\u00e7\u00e3o)
\nA c\u00e9lebre frase proferida pelo arquiteto proto-moderno Louis Sullivan, cuja influ\u00eancia na arquitetura moderna foi consider\u00e1vel, precisa ser repensada quando falamos de espa\u00e7os livres. O grande sucesso do High Line se deu, em grande parte, devido \u00e0 deliberada estrat\u00e9gia de preserva\u00e7\u00e3o das sensa\u00e7\u00f5es que o espa\u00e7o j\u00e1 oferecia.<\/p>\n
Oferecer espa\u00e7os de descanso, de contempla\u00e7\u00e3o do entorno e coloc\u00e1-los em evid\u00eancia atrav\u00e9s de um elaborado desenho, foi uma estrat\u00e9gia muito acertada e refor\u00e7ou o \u201cgenius loci\u201d, ou seja, o esp\u00edrito do lugar, conceito central na arquitetura paisag\u00edstica. Porque, ent\u00e3o, n\u00e3o fazer uso mais frequente do estudo desse conceito para a cria\u00e7\u00e3o de novos espa\u00e7os urbanos?<\/p>\n
Um parque urbano pode ver a pe\u00e7a central para uma pol\u00edtica de desenvolvimento local
\nO High Line foi uma pe\u00e7a fundamental na infraestrutura urbana de Nova York no passado. A estrutura cruzava Manhattan verticalmente com transporte ferrovi\u00e1rio, como um s\u00edmbolo da industrializa\u00e7\u00e3o. Com a desativa\u00e7\u00e3o e abandono, seus arredores sofreram com a decad\u00eancia urbana e desvaloriza\u00e7\u00e3o imobili\u00e1ria.<\/p>\n
O projeto de paisagismo utilizou a pr\u00f3pria natureza, que involuntariamente tomou a estrutura abandonada, como inspira\u00e7\u00e3o, e a transformou em um instrumento de lazer p\u00f3s-industrial, sem destru\u00ed-lo.<\/p>\n
Com a conclus\u00e3o do projeto urban\u00edstico e de paisagismo da \u00e1rea, muitos projetos de arquitetura come\u00e7aram a aparecer principalmente nos \u00faltimos cinco anos. Projetos arquitet\u00f4nicos admir\u00e1veis, com altos investimentos, foram erguidos \u00e0s margens do High Line.<\/p>\n
O parque suspenso \u00e9 frequentado tanto por locais quanto por turistas e seu sucesso resultou no desenvolvimento econ\u00f4mico desta parte de Manhattan, al\u00e9m de um boom imobili\u00e1rio do entorno. Contradizendo o receio inicial dos moradores que n\u00e3o eram a favor da implanta\u00e7\u00e3o do parque.<\/p>\n
E voc\u00ea, j\u00e1 conhecia a hist\u00f3ria por tr\u00e1s do High Line? Conta pra mim o que achou disso tudo!<\/strong><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Normalmente, quando h\u00e1 um lugar abandonado pela cidade o pensamento comum \u00e9 apenas desviar dali, como se houvesse um apagamento da \u00e1rea. At\u00e9 o dia em que o lugar \u00e9 comprado, e o que ainda resta ali \u00e9 derrubado e, em algum tempo, algo totalmente novo surge no lugar. At\u00e9 a\u00ed, nenhum problema. Mas, \u00e0s […]<\/p>\n","protected":false},"author":3,"featured_media":6116,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[54],"tags":[],"class_list":["post-6108","post","type-post","status-publish","format-standard","has-post-thumbnail","hentry","category-arquitetura"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/archscape.com.br\/2024\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/6108","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/archscape.com.br\/2024\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/archscape.com.br\/2024\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/archscape.com.br\/2024\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/archscape.com.br\/2024\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=6108"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/archscape.com.br\/2024\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/6108\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/archscape.com.br\/2024\/wp-json\/wp\/v2\/media\/6116"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/archscape.com.br\/2024\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=6108"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/archscape.com.br\/2024\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=6108"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/archscape.com.br\/2024\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=6108"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}