Tem sido notório que as mudanças climáticas no planeta estão cada vez mais extremas: temperaturas batendo recordes, enchentes, secas, ciclones onde não havia; enfim, os sinais são muito claros.
Por mais que alguns neguem, esses eventos são consequência direta da ação predatória do ser humano no meio ambiente. E as cidades são o principal palco desse drama vivido na pele atualmente pelas pessoas.
Tudo em seu tempo
Sempre que analisamos essas questões, é importante contextualizarmos os fatos em seus devidos tempos. Na cidade de São Paulo, por exemplo, temos o problema recorrente das enchentes, causadas pela urbanização predatória das várzeas dos rios.
Contudo, devemos lembrar que essa ocupação ocorreu como forma de conter as epidemias, principalmente de doenças transmitidas por mosquitos, que se reproduzem nas águas paradas das várzeas, sendo a iniciativa mais importante o Plano de Avenidas de Prestes Maia, da década de 1930.
Apenas mais recentemente, com as poderosas ferramentas de análise que dispomos, compreendemos com clareza que a poluição dos rios, causada pelo crescimento exponencial da população, foi o vilão oculto desencadeador das epidemias passadas.
Sem dados e ferramentas adequadas era muito difícil entender esses fatos e transformações estando imerso nos acontecimentos.
O que hoje se pode fazer para mitigar os efeitos das mudanças climáticas no âmbito das cidades?
As cidades que resultaram desse processo histórico se tornaram densamente construídas e impermeabilizadas. Elas, além de representar perigosas ilhas de calor, são verdadeiras potencializadoras de enchentes, na medida em que seguem canalizando ou enterrando seus córregos e rios. A cada verão, quando o regime de chuvas é mais intenso, as águas, além de buscar recuperar seu antigo espaço, não penetram no solo.
Os dados que possuímos hoje nos mostram que políticas de arborização urbana são essenciais, mas insuficientes para contornar a situação.
Na década de 1990, o professor de Harvard, Arquiteto Paisagista e decano da prestigiada Universidade de Pequim, Yu Kungjian idealizou o conceito de “cidades esponjas”, que estabelece que conviver com a água é melhor do que combatê-la.
A tese se baseia em três estratégias: uso intensivo de lagoas, para conter a água na origem; rios naturalizados, com margens vegetadas, para conter a velocidade da água e fomentar o lazer e a vida ao ar livre, e áreas de deságue desocupadas (lagos, rios ou foz junto ao mar), e sem construções.
Atualmente, existem centenas de iniciativas dessas construídas e em construção, em sua maioria na China. A questão que permanece é a viabilidade do conceito em áreas já densamente ocupadas, tendo em vista os custos da reorganização dos espaços urbanos e potenciais desapropriações. Será um assunto que se colocará inevitavelmente perante nós.
E quanto às construções?
No Brasil, ainda nos dias de hoje, persistem métodos de construção arcaicos, ineficientes e pesadamente danosos ao meio ambiente. Dos prédios de moradia popular aos edifícios mais sofisticados, pouca coisa muda essencialmente: bloco sobre bloco, formas de madeira para estrutura (que são descartadas após o uso) além da inexistência de preocupações quanto ao desempenho térmico do edifício.
Para suportar melhor as altas temperaturas, existem há décadas as fachadas duplas (ou ventiladas) que amenizam o ganho de calor para o interior dos apartamentos e representam uma grande economia de energia para os futuros proprietários. Só não são utilizadas em edificações residenciais devido ao seu alto custo de execução.
Tecnologias baseadas no reaproveitamento de madeira, como a Madeira Lamelada Colada (MLC), têm aparecido com força nas edificações, mas ainda também com custo mais elevado.
Técnicas tradicionais baseadas no uso da terra como elemento de construção vêm igualmente ganhando espaço, principalmente em residências, e dependem de ser adaptadas para uso em maior escala.
Essas duas últimas técnicas, em especial, apresentam inclusive baixíssima pegada de carbono, acarretando menor impacto ambiental durante a construção.
A lacuna sobre o tema vem sendo preenchida por diversos grupos de pesquisa nas principais universidades do país, com destaque para aqueles conduzidos pelo LABAUT da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
Um projeto consciente faz toda a diferença
Seja no prédio ou na cidade, na arquitetura, no paisagismo ou no urbanismo, o tema das mudanças climáticas deve obrigatoriamente ser incorporado desde o início dos projetos, como fio condutor das ações e estratégias a serem utilizadas.
Estratégias básicas de orientação solar, ventilação cruzada e uso de materiais mais adequados sempre fizeram a diferença. Arquitetos, empreendedores, consumidores e autoridades conscientes certamente farão a diferença para as futuras gerações.