Nós propomos um exercício para você que tem planta em casa: escolha uma e procure a sua origem. São grandes as chances de a resposta ser Ásia ou África. Isso porque, mesmo que o Brasil seja um dos campeões da biodiversidade no mundo, é fato que o paisagismo brasileiro é, na verdade, exótico.
Atualmente há um movimento no Brasil que busca por um “paisagismo ecológico”, que prioriza o estudo e o respeito às plantas nativas, preteridas por estrangeiras que um dia vieram ao Brasil e tomaram o seu lugar.
A estimativa, com base em alguns estudos de amostragem, é de que acima de 90% das plantas mais utilizadas no paisagismo brasileiro são exóticas.
Essa mistura de espécies gera uma série de problemas, tanto de ordem ambiental como cultural. Quando substituímos uma área de biodiversidade milenar por um conjunto de plantas estrangeiras, o resultado é um “holocausto ambiental”, extinguindo seres que estavam ali muito tempo antes.
Além disso, ao desconectar as pessoas do convívio com a vegetação nativa da região, elas deixam de valorizar essas espécies, causando um prejuízo em cascata.
Neste artigo, vamos um pouco sobre a biodiversidade da Mata Atlântica e como ela pode ser aproveitada em um paisagismo sustentável para casas com grandes terrenos. Confira!
Terra a vista… ou seria VERDE a vista?
Quando os portugueses chegaram ao Brasil por volta de 1500, o bioma que recepcionou as caravelas foi a exuberante e diversa Mata Atlântica. Este bioma ocupava uma área que correspondia a 15% do território nacional, mas hoje, restam cerca de 12,5% da floresta que existia originalmente.
É constituída, principalmente, por mata ao longo da costa litorânea, que vai do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul.
A Mata Atlântica apresenta uma variedade de formações, engloba um diversificado conjunto de ecossistemas florestais com estrutura e composições florísticas bastante diferenciadas, acompanhando as características climáticas da região onde ocorre.
Cerca de 70% da população brasileira vive no território da Mata Atlântica. Se você reside nos estados litorâneos, é bem provável que o seu terreno já foi no passado um trecho dessa floresta.
As nascentes e mananciais abastecem as cidades, sendo um dos fatores que têm contribuído com os problemas de crise hídrica, associados à escassez, ao desperdício, à má utilização da água, ao desmatamento e à poluição.
Logo em seguida ao descobrimento, grande parte da vegetação da Mata Atlântica foi destruída devido à exploração intensiva e desordenada da floresta. O Pau-Brasil foi o principal alvo de extração e exportação dos exploradores que colonizaram a região e hoje está quase extinto.
O primeiro contrato comercial para a exploração do pau-brasil foi feito em 1502, o que levou o Brasil a ser conhecido como “Terra Brasilis”, ligando o nome do país à exploração dessa madeira avermelhada como brasa.
Outras madeiras de valor também foram exploradas até a extinção, como por exemplo, a tapinhoã, sucupira, canela, canjarana, jacarandá, araribá, pequi, jenipaparana, peroba, urucurana e vinhático.
Além da exploração predatória dos recursos florestais, houve também um significativo comércio e exportação de couros e peles de animais. Hoje, praticamente 90% da Mata Atlântica em toda a extensão territorial brasileira está totalmente destruída.
É a segunda floresta mais ameaçada de extinção do mundo. Este ritmo de desmatamento é 2,5 vezes superior ao encontrado na Amazônia no mesmo período, segundo o Instituto Brasileiro de Florestas.
Uma prática colonial
Os motivos que explicam a preferência pelas plantas exótica remontam os séculos de história brasileira, pois esta é uma tradição que veio a partir dos imigrantes que colonizaram o Brasil, no período da vinda da família real portuguesa.
O primeiro grande projeto de reflorestamento do país foi a floresta da Tijuca. Dom Pedro, na época, decidiu usar espécies das quais gostava – como a jaqueira, por exemplo.
Esse costume de reproduzir em terras tropicais os jardins europeus trouxe suas consequências comerciais. Como, na Europa, o cultivo de espécies ornamentais já era difundido, era mais fácil obter mudas e sementes das espécies exóticas do que se voltar a produção nacional.
A questão mercadológica tem grande peso na continuidade desta prática, deixando o paisagismo vinculado apenas à decoração e à estética, o que é apenas uma parte do paisagismo em si.
Confira algumas curiosidades sobre a Mata Atlântica:
- 454 espécies de árvores por hectare — no Sul da Bahia;
- Animais: aproximadamente 1.600.000 espécies, incluindo insetos;
- Mamíferos, aves, répteis e anfíbios: 1361 espécies, 567 endêmicas;
- 2% de todas as espécies do planeta somente para estes grupos de vertebrados;
- 3% felinos.
De acordo com os dados disponibilizados pelo Ministério do Meio Ambiente, há, aproximadamente, 20 mil espécies vegetais que correspondem a mais de 30% das espécies existentes em território brasileiro.
A flora da Mata Atlântica conta com algumas das espécies mais conhecidas, como:
- Ipês;
- Guarapuruvu;
- Cedro;
- Jambo;
- Peroba;
- Briófitas;
- Begônias;
- Manacás;
- Orquídeas;
- Bromélias;
- Jacarandá; e
- Palmito-juçara.
Cabe mencionar que as variações ambientais acontecem em virtude da latitude, longitude e outras condições.
Agroecologia e paisagismo sustentável na busca pela preservação
Em meio a tantas áreas do conhecimento que vêm surgindo para nos apoiar nesta transição da humanidade para um momento de maior harmonia com a natureza, a agroecologia é sem dúvida, assunto importantíssimo a ser estudado por aqueles que buscam um paisagismo mais consciente.
O seu conjunto de técnicas de produção respeitam e imitam a natureza, usam os recursos disponíveis evitando o transporte de insumos a longas distâncias, eliminam o uso de químicos, tóxicos e poluentes para a produção de alimentos limpos e saudáveis.
A agroecologia apoia o paisagismo sustentável, levando em consideração a integração com a comunidade que cerca estes espaços e também trazendo um conjunto de técnicas que farão a diferença para uma integração ecológica.
Confira algumas estratégias úteis:
– Escolha das plantas: valorizar a biodiversidade local é uma chave especial para mantermos a vida no planeta equilibrada. As plantas nativas são mais adaptadas ao clima e podem produzir alimento para a fauna local, como passarinhos e outros. Ainda, podem-se escolher espécies úteis como plantas medicinais, aromáticas, alimentícias ou que produzem materiais úteis para artesanato, construção, etc.
– O uso de cobertura morta, ou mulch: cobrir a terra com uma camada de material vegetal ajuda a proteger e enriquecer o solo progressivamente, manter a umidade e controlar as plantas espontâneas (conhecidas popularmente como ervas daninhas, que são, na verdade, como um curativo da natureza para solos descobertos e desprotegidos).
– Policultivos: plantar várias espécies em consórcio, misturadas. Um estudo sobre companheirismo pode mostrar plantas que se ajudam mutuamente e fazem o sistema ficar mais resistente e equilibrado. Policultura é o contrário de monocultura (o plantio de uma só espécie). Estas monoculturas precisam de estratégias para manter a sua permanência, e daí vem o uso de agrotóxicos, herbicidas e fertilizantes, pois o solo está sempre sendo exaurido. As policulturas ajudam a manter a qualidade do solo por muito mais tempo e proporcionam um melhor aproveitamento do espaço.
– Aproveitamento do espaço: o paisagismo sustentável ensina a planejar um design inteligente e eficiente para o uso dos espaços disponíveis da melhor forma. Uma estratégia comum é o uso de hortas verticais, que podem ajudar a produzir alimentos saudáveis em apartamentos, casas, restaurantes, escolas, etc.
– Controle ecológico de desequilíbrios: existem maneiras de proteger as plantas de insetos, fungos e doenças. A primeira estratégia é manter um solo rico e com boa estrutura, e os adubos orgânicos e húmus de minhoca podem, até mesmo, serem produzidos em casa ou coletivamente em condomínios.
Mas, afinal, quais espécies usar?
O paisagismo ecológico traz uma valorização cultural da propriedade e das áreas públicas, já que boa parte dos arquitetos paisagistas tem procurado adequar seus projetos às novas concepções ecológicas.
Alguns setores relacionados ao paisagismo ecológico têm surgido, como viveiros certificados de mudas nacionais, produtores de adubo orgânico, produtos de manuseio reciclável, entre outros.
Este novo movimento deve direcionar a atenção para o desenvolvimento de jardins com plantas nativas, no caso brasileiras, valorizando nossa riquíssima flora, colaborando assim com o aprendizado sobre a nossa natureza, bem como evitar a introdução indiscriminada de espécies exóticas, o que não se justifica em vista da enorme diversidade da flora brasileira.
A verdade é que o paisagismo ecológico é aquele que não parece feito pela mão do homem, mas pela própria natureza. Jardins que exigem cuidados excessivos é um desejo de imposição sobre a natureza que não cabe mais no século 21.
Além disso, um dos principais problemas aprontados pelos botânicos ao mesclar espécies de origens diferentes é a competição biológica, pois ao usar plantas exóticas, você pode usar uma espécie que se torna agressiva e compete com as nativas, substituindo-as.
Há uma perda da diversidade em função disso. Já entre as plantas nativas, esse problema não acontece, porque elas já estão bem ambientadas e, portanto, não são prejudiciais.
Por isso, é essencial que o arquiteto paisagista não hesite em aprender sobre a vegetação de um país.
Segundo o Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a flora brasileira é composta por 46.714 espécies reconhecidas. Excluindo algumas e fungos, sobram 36.239 espécies espalhadas pelo território. Dentro deste universo, o próximo passo é estudar.
A partir de um estudo prévio de campo e bibliográfico, é elaborada uma lista de espécies encontradas. Desta forma, é feito um projeto que respeite, da melhor forma possível, a biodiversidade e a reconexão cultural das pessoas com a paisagem, sem nunca deixar de lado a estética.
Ainda de acordo com o Jardim Botânico, as espécies do bioma Mata Atlântica que mais se popularizaram, são:
- Açucena;
- Manacá;
- Filodendros;
- Bromélia;
- Clúsia;
- Marantas;
- Avenca;
- Pitanguinha;
- Dicorisandra;
- Alpinea.
Roberto Burle Marx e o seu amor pela Mata Atlântica
Poucos sabem, mas Roberto Burle Marx – referência máxima do paisagismo brasileiro – nasceu em São Paulo, em agosto de 1909. Filho de imigrantes europeus, foi educado em lar privilegiado e culto. Roberto herdou dos pais o amor pela música e pelas plantas e, ainda na infância, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde começou sua própria coleção de espécies vegetais com apenas 8 anos.
Por causa de um problema nos olhos, o então jovem Burle Marx mudou-se com a família para a Alemanha, à procura de um tratamento. Embora tenha sido criado no Brasil, foi em terras alemãs que ele viu despertar sua paixão pela flora brasileira: ao visitar um jardim botânico com estufa de plantas de florestas tropicais, como a Mata Atlântica, ele ficou encantado e percebeu que seu futuro estava no paisagismo. Quando voltou ao Brasil, ele ingressou na Escola de Belas Artes incentivado pelo antigo vizinho Lucio Costa e assim começou a conviver com Oscar Niemeyer, Milton Roberto e outros profissionais que se tornariam conhecidos na arquitetura moderna nacional.
A admiração e o resgate de espécies nativas brasileiras, até então desconhecidas mesmo por botânicos, foi o grande diferencial do paisagista, que gostava de fazer incursões na mata, onde passava dias até voltar com um arsenal de bromélias, orquídeas, plameiras, fiodendros e monsteras que as pessoas não conheciam. Usando-as em seus projetos, ele inseria um toque fantástico e incomum nos jardins, que na época estavam cheios de pinheirinhos, gramas, buchinhos e azaléias – plantas que nada têm a ver com a nossa vegetação. Burle Marx teve uma presença e um trabalho totalmente biofílico (inserir artigo sobre biofilia), muito antes deste termo ter sido cunhado!
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