Os rios são as fontes de um dos recursos naturais indispensáveis aos seres vivos: a água! Além disso, têm muita importância cultural, social, econômica e histórica, pois exercem um efeito enorme sobre a ecologia da superfície da terra e, por consequência, sobre o desenvolvimento humano.
Desde o começo das civilizações, os rios tiveram um papel fundamental para a formação de comunidades, cidades e para a sobrevivência do homem. Exemplo disso é o rio Nilo, segundo rio do mundo em extensão, que foi determinante para o desenvolvimento do Egito antigo.
Localizado em uma região desértica do continente africano, foi graças ao rio Nilo que a sociedade egípcia teve acesso à água para beber, irrigar as terras para a agricultura (após as cheias do rio, as terras das margens ficavam forrada de húmus, um lodo fértil), pescar, cultivar peixes e transportar mercadorias e pessoas.
Até os dias atuais, os cursos de água doce são o sustento de milhares de famílias em todo o Brasil e no mundo. São os rios que estão mais amplamente distribuídos e fornecem o maior volume de água para consumo no mundo.
Milhares de espécies da flora e fauna, inclusive a espécie humana, consomem essa água, que precisa ter uma qualidade adequada para seus diversos usos. É por isso que a disponibilidade e uso de água potável, bem como a conservação dos recursos hídricos, é chave para o bem estar humano.
Além disso, os rios também trazem referências culturais muito importantes sobre a sociedade humana, expressando modos de vida, fazendo parte da biografia de muitas pessoas, compondo memórias e perspectivas.
Mas, ao longo da história, registraram-se alterações nas características e na qualidade das águas dos rios, do ecossistema e, em certos casos, de sua configuração e percurso. Alguns sendo, inclusive, parcialmente retificados e escondidos pela sua canalização.
O que vemos acontencendo?
As enchentes que atingem com frequência a região metropolitana de São Paulo, por exemplo, deixam evidente o quanto as nossas cidades estão despreparadas para eventos climáticos extremos. Cientistas e especialistas têm alertado que esses eventos tendem a se intensificar daqui para frente e se repetir em intervalos cada vez mais curtos.
Para demonstrar como esses alertas e o planejamento integrado das cidades, regiões metropolitanas e bacias hidrográficas não são priorizados, a manifestação mais dramática vem dos próprios rios.
As águas ressurgem violentamente após as chuvas, demonstrando que canalizar, tampar e retificar os rios, ocupando suas margens, foi um erro. Esse modelo urbanístico, que esconde os rios e impermeabiliza o solo, não se adequa às mudanças climáticas.
É por isso que as leis de uso do solo devem ser analisadas com maior critério para estimular o planejamento das cidades com ampliação de áreas verdes, de pavimentos permeáveis, calçadas e telhados verdes, sistemas de bacias de contenção e eco-piscinões associados a praças, parques e equipamentos de convívio social e lazer.
Essas medidas podem trazer melhoria no microclima e para a saúde, e contribuições para minimizar os impactos de eventos extremos como esses.
Para entender um pouco mais sobre o assunto, conversamos com o arquiteto urbanista Gustavo Garrido, que responde algumas perguntas sobre a relação dos rios com as cidades, e de que forma isso implica diretamente na qualidade de vida das pessoas.
Confira!
Antigamente as cidades eram construídas próximas aos rios. Por quê? Qual era sua importância
Os rios eram fonte de alimento, meio de transporte e elemento geográfico de defesa nos primórdios de nossas cidades. Por isso as primeiras aglomerações urbanas eram preferencialmente construídas próximo de suas margens.
Pegando a cidade de São Paulo como exemplo, quando os portugueses se aventuraram pelo interior do continente, encontraram o planalto de Piratininga, cercado pelas íngremes ribanceiras dos rios Tamanduateí e Anhangabaú, local sabidamente já habitado por povos indígenas. O que fizeram basicamente foi se apropriar daquele território, já conhecido pelo índios.
Ao longo dos anos, os rios foram esquecidos pela população e governantes?
É sempre importante colocar as coisas em seu devido contexto. Os mesmos rios que atraíram as pessoas pelos atributos já descritos, também serviam para despejo de águas servidas.
Quando o fluxo de água é grande e a população pequena isso não é necessariamente um problema, mas com o acréscimo populacional passou a ser uma grave questão sanitária, com a proliferação de mosquitos e doenças transmitidas por eles.
A medicina era muito menos desenvolvida e a proximidade com os rios que era desejável, passou a ser rejeitada em prol de melhores condições de saúde. Contudo, mudava-se quem tinha condições, quem não as tinha, que eram os pobres, escravos e imigrantes, tinham que conviver com a situação.
O poder público historicamente era conduzido pelos interesses de quem tinha posses e que inclusive ocupava os cargos públicos. Os investimentos em infraestrutura assim eram direcionados para os “bairros higiênicos”, daí veio Higienópolis.
Mas o problema era o descarte de esgoto sem tratamento, não o rio em si.
Por que os rios são tão importantes para qualidade de vida nas cidades?
Mesmo com a concentração de investimentos públicos nos bairros ricos, em momentos de bonança em São Paulo, investiu-se em Parques no Anhangabaú e Tamanduateí (parque Dom Pedro II), mas sem saneamento, não acabando com a má fama dos rios, os quais foram dando espaço para vias de circulação viária em suas margens ou até soterrando seus leitos. Viraram assim canais de esgoto a céu aberto.
Entendendo que o problema é saneamento, não os rios, com a crítica questão de agenda climática que vivemos as pessoas percebem o quão importante é a água em nossa vida, principalmente em momentos de seca e com risco de abastecimento.
Mas muito além dessa questão, os rios agregam em qualidade de vida na paisagem urbana, oferecem condições de vida e proliferação de fauna, oferecem opções de lazer e por que não meio alternativo de transporte. Só de pensar seria uma vida muito mais saudável e agradável, não?
O que podemos esperar num futuro sobre este tema?
Muitas cidades ao redor do mundo estão com compromisso sério de renaturalização de rios urbanos. Cidades no Japão, Alemanha, Coréia do Sul, Estados Unidos, estão fazendo sua lição de casa. Em Madri, o rio Manzanares vivia uma situação muito semelhante ao nosso Tietê e foi totalmente requalificado, com sua limpeza e implantação de um grande parque público.
Em Seul, o Parque Cheonggyecheon foi implementado ao longo do rio de mesmo nome, mudando totalmente a cara do bairro e trazendo revitalização dos espaços. É um caminho sem volta para todas as cidades que querem ter alguma proeminência no plano global do século XXI.
Como cuidar, preservar e recuperar os rios?
O cuidado com as águas dos rios, para conservá-las em uma condição adequada para a sustentabilidade da vida e para os diversos usos, envolve uma abordagem bem estruturada em um conjunto de ações nos ambientes públicos e privados. É necessário que cada pessoa se conscientize de sua responsabilidade e coopere no que estiver ao seu alcance, seja em sua moradia ou fora dela.
Nós listamos abaixo algumas ações que ajudam na preservação dos rios, veja:
Consumo Consciente: evitar o desperdício, e sempre que possível e com os devidos cuidados, reutilizar. Pode-se tratar a água com cloro, por exemplo, para certos usos e reutilizá-la, como no caso da água da pia para descarga no vaso sanitário, da água da máquina de lavar roupa do tanque para lavar a calçada, etc.
Preparar captação, reservatório para reuso de água de chuva também é uma boa opção!
Saneamento Básico: a falta do saneamento causa várias doenças e inúmeras internações. Cidades com índices melhores de saneamento tem incidência menor de doenças. Precisa haver um esforço concentrado de todos nós para viabilizar a cobertura de 100% dos usuários no saneamento, no curto prazo.
Dejetos Rurais: efluentes pecuários também causam poluição das águas superficiais e subterrâneas. Os dejetos devem ser destinados corretamente, preferencialmente para adubação ou geração de energia. Com sabedoria e cuidados, podemos minimizar os efeitos colaterais desta criação com a correta destinação dos dejetos.
Resíduos de agricultura: efluentes agrícolas podem conter produtos químicos como fertilizantes (ricos em nitritos e nitratos), pesticidas, que degredam a qualidade das águas superficiais, incluindo as dos rios, quando neles são despejados, além de contaminar águas subterrâneas por infiltração.
A produção agrícola, bem administrada, com a correta análise e correção do solo, viabiliza alto desempenho com baixo efeito colateral ambiental.
Resíduos sólidos: destinação e tratamento adequados de resíduos sólidos, popularmente conhecidos como lixo, são necessários no cuidado com as águas. Os resíduos sólidos, quando descartados incorretamente, causam danos graves que, às vezes, perduram por centenas de anos.
Estes materiais entopem as bocas de lobo, contaminam os córregos, rios e mares, além de, muitas vezes, afetarem animais que confundem com alimentos.
Mata Ciliar: também denominada de vegetação ribeirinha, é a formação vegetal nativa que fica nas margens de rios, riachos, lagos, córregos, represas e nascentes. A mata ciliar promove o equilíbrio dos rios, estabilizando suas margens, ajuda no controle de nutrientes e de produtos químicos no curso da água.
Contribui também para o controle da alteração da temperatura no ecossistema aquático e da formação de barreiras para o carreamento de sedimentos para os cursos d’água, evitando o seu assoreamento. Além disso, as matas ciliares são fundamentais para proporcionar alimentação para os peixes e outros organismos vivos aquáticos.
As florestas amenizam ainda os efeitos das enchentes e impedem a erosão de terrenos montanhosos, prevenindo a queda de barreiras.
Área de preservação permanente: APP é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, além de proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Todas as matas nativas contribuem para as águas. Sempre que possível e dentro das regras vigentes, devemos manter e cuidar das matas nativas nas áreas de APPs.
O exemplo de Nova York
Grandes centros urbanos e água de qualidade em quantidades suficientes para todos, nem sempre é uma combinação possível. Especialmente num planeta em que a escassez de água pode atingir dois terços do mundo até 2050, de acordo com dados da ONU.
Mas na cidade de Nova York, a água que chega às torneiras de quase 9 milhões de pessoas tem origem em fontes superficiais, dispensa tratamento e recebe apenas cloro e flúor antes de ser distribuída. Tema fascinante para geógrafos, ambientalistas e gestores públicos, o sistema de abastecimento do estado de Nova York prova que empresas, sociedade e governos podem prosperar ao investir na natureza.
Você gostou de saber mais sobre esse tema? Tem alguma dúvida? Conte nos comentários!